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Diálogos Silenciosos

Ao caminhar eu presto atenção em tudo que me cerca, os sons, os cheiros e foi assim que eu notei aquela casa, pequena, abandonada, com uma côr desbotada, que de vez em quando aparecia com sua janela aberta. Me deu a impressão que ela queria falar comigo.

 

As pessoas achavam estranho quando eu dizia que conversava com as coisas. No começo era apenas uma casa, mas com o passar do tempo percebi que ela falava comigo. Aquela janela, primeiramente fechada, e depois totalmente aberta, significavam diferentes falas. E foi assim que comecei a falar com ela. Cada vez que ali passava, recolhia algumas lembranças, como folhas, flores e até gravetos. Era como se ela me desse esses presentes, para que eu guardasse.

 

Algumas vezes ela não queria falar, aparecia com sua janela totalmente fechada, me parecia triste nessas ocasiões. Eram vários dias que passava assim. Eu ficava preocupada. Algumas vezes ela aparecia completamente aberta, como se estivesse feliz em me ver. E eu ficava ali parada, um tempo observando cada detalhe, sua pintura que já estava descascada, aquele piso de caquinhos vermelhos, aquelas paredes de tijolos que pareciam tinham muitas histórias para contar. As grades azuis do portão, isso me chamava muito atenção e me levava para um lugar lá atrás da minha infância. Escutava até risadas de crianças, brincadeiras. Aquela grade azul era como um portal que me transportava para um mundo mágico, e que eu gostava de ficar.

 

Foram muitos meses, anos, passando em frente aquela casa. Um dia notei que a janela estava meio aberta.  Ficou assim por muitos dias, como se me observasse escondido, mas não pudesse falar comigo. Achei estranho. Depois de uns dias, percebi que a janela se fechou. Silêncio. Vários dias de total silêncio. Não havia mais diálogo. Ela havia se calado.

 

Comecei a pensar que talvez eu não tivesse entendido o que ela queria me dizer. Porque se calou? Ficou assim por muitos meses, até que, percebi uma movimentação de pessoas na casa. Alguém ia morar nela! Pensei que talvez isso pudesse fazer com que ela voltasse a abrir a janela e pudéssemos enfim conversar novamente. Mas o que aconteceu, foi uma tragédia. Arrancaram as grades azuis, retiraram todo o piso de caquinho, quebraram, quebraram e pude sentir a dor que ela estava sentindo. Pintaram as paredes de tijolos rosa de branco e por fim  subiram um grande muro, e calaram a casa.

 

Foi então, que me dei conta, do que ela queria me dizer... somos sempre caladas. Eu também fui calada muitas vezes, por muros que eu ia pulando. Não me dei conta de quantos muros pulei, talvez muitos. De frente aquela casa agora, percebi o quão cansada estava de pular muros pois eles tinham se tornado mais altos, mais difíceis. Acho que me calei como aquela casa

2023

©Mirian Guimarães
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